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O DOMÍNIO ALGORÍTMICO NAS ARTES DIGITAIS



Em um mundo onde os algoritmos governam a visibilidade e a organização do conteúdo, os artistas enfrentam um novo conjunto de desafios. Ferramentas digitais podem ampliar o alcance da produção artística, entretanto, a curadoria algorítmica contribui para a homogeneização dos hábitos cotidianos de consumo de conteúdo. 


Por exemplo, as sugestões de filmes e músicas feitas por aplicativos de streaming baseiam-se nos hábitos de consumo de grupos de usuários que acessam conteúdos similares. Essas recomendações não desafiam os hábitos do consumidor, sugerindo apenas conteúdos semelhantes aos já consumidos. Assim, elas reforçam a comodidade de recomendar conteúdos com grandes chances de serem consumidos. No fim, os conteúdos mais populares se tornam ainda mais populares, enquanto os desconhecidos tendem a se tornar ainda mais desconhecidos.


A lógica de recomendação algorítmica prioriza o familiar e o previsível, perpetuando um ciclo onde a originalidade e a experimentação são marginalizadas em favor do que já é seguro e conhecido. Artistas perdem autonomia sobre a forma como seu trabalho é apresentado e consumido, já que os algoritmos definem os critérios de visibilidade e organização. 


Nesse sentido, perpetua-se um ciclo de padronização da produção artística, já que o algoritmo prioriza obras que se encaixam em determinados padrões estéticos e comerciais. Essa padronização impacta até mesmo a própria produção artística. A curadoria automatizada coloca a diversidade e a criatividade no mundo das artes sob ameaça. A autonomia dos artistas é cada vez mais afastada deles, e a forma como suas obras são apresentadas e consumidas foge do seu controle, sendo obrigados a seguir um certo “padrão” e utilizar certos mecanismos se quiserem ter visibilidade e ainda assim, muitos continuam no campo do desconhecido.


Um exemplo prático das recomendações forçadas pode ser visto na rede social "X" (antigo Twitter). Ao curtir, compartilhar ou interagir de qualquer forma com um produto, a plataforma começa a observar esse hábito e oferece uma gama de conteúdos relacionados. Se a pessoa consome coisas envolvendo, por exemplo, a cantora Taylor Swift, o site vai seguir pondo em destaque para o usuário páginas e postagens que reafirmem essa tendência.

No X também existe a praticidade e uma certa normalização de contas criadas para servir como robôs previamente automatizados para a reverberação de conteúdos e obras. Um usuário programa esse perfil que, ao identificar quando um tema específico é citado, começa a interagir com publicações sobre o assunto com base em possíveis respostas programadas para se adaptarem ao contexto. 

Dessa forma, esses perfis são utilizados de diversas maneiras, inclusive para fins financeiros. Uma situação muito observada pelos usuários é a utilização desses bots para a divulgação de produtos relacionados a obras, artistas ou acontecimentos muito populares. Em 2023, ocorreu o movimento "Barbenheimer", uma grande jogada de marketing boca a boca a partir do lançamento simultâneo dos filmes "Barbie" e "Oppenheimer". Com base no alcance do tema, esses perfis pré-programados passaram a comentar em qualquer postagem que fizesse referência ao "Barbenheimer", mas com o adicional de estar vendendo um produto. Camisas, canecas e chapéus estavam entre os itens gerados artificialmente por esses programas, que continham artes relacionadas ao fenômeno supracitado. Assim, fortalecendo midiaticamente ainda mais a obra inicialmente citada, sendo capazes de ler o comportamento do consumidor e mantê-lo preso ao movimento. Além disso, beneficiam aqueles que foram capazes de programar I.A.s para a produção e divulgação desses infoprodutos.


De acordo com o pesquisador estadunidense Tarleton Gillespie, os algoritmos não podem ser entendidos como ''algo abstrato ou como façanhas técnicas''. Ele sugere que ''os algoritmos revelam as escolhas humanas e institucionais que estão por trás de suas elaborações'' (Gillespie, 2018). Por mais que pareçam, os algoritmos não são neutros; eles são produtos derivados de decisões e valores humanos. Existem escolhas humanas e operacionais por trás de sua elaboração. Ao priorizar determinados conteúdos e filtrar outros, os algoritmos se apresentam como elementos-chave na formação da opinião pública e das práticas culturais.


No contexto da arte, essa seleção pode levar à criação de "bolhas de filtro" (Pariser, 2011). Essas bolhas funcionam como um tipo de "universo paralelo" online, onde cada indivíduo é exposto a informações personalizadas com base em seu histórico de pesquisa, e onde artistas e público são expostos apenas a conteúdos que confirmam suas preferências pré-existentes.


A ascensão das plataformas de streaming musical, como Spotify e Apple Music, trouxe consigo uma profunda transformação na forma como consumimos e interagimos com a música. A dataficação, processo de coleta e análise massiva de dados, se tornou crucial nesse novo cenário, alimentando algoritmos que moldam a experiência musical dos usuários. 


Através do rastreamento de hábitos de escuta, preferências e interações, esses algoritmos constroem perfis individuais e oferecem sugestões personalizadas, impactando diretamente o repertório musical a que a população tem acesso. Essa personalização, embora aparentemente benéfica, levanta questões importantes sobre o controle algorítmico da cultura musical, como argumenta Christian Fuchs (2014) ao analisar a "cultura do consumo algorítmico", onde a escolha individual é direcionada por sistemas automatizados, o que deixa a seguinte questão: Até onde realmente escolhemos o que consumimos?


A influência dos algoritmos no que chega à população transcende a mera personalização, impactando a visibilidade e o sucesso de artistas e músicas. A lógica das "bolhas de filtragem" (Pariser, 2011) citada anteriormente pode levar a uma redução da diversidade musical, privilegiando artistas e estilos já populares e limitando o acesso a novas tendências e sonoridades. 


Essa concentração de poder algorítmico pode perpetuar vieses e desigualdades, como aponta Gillespie (2014) ao analisar a influência das plataformas digitais na construção de "culturas de informação" que refletem as estruturas de poder existentes. Compreender a complexa interação entre algoritmos, dataficação e consumo musical é fundamental para garantir uma experiência musical mais justa, inclusiva e diversificada.


Com o avanço dessa personalização algorítmica nas redes, a tendência é que os indivíduos estejam cada vez mais dentro de suas próprias “bolhas”, indo de encontro até ao que propõe a internet, que teria um sentido de união, de diálogo entre diferentes culturas, diferentes perspectivas. Para se formar um senso crítico e opinião, é importante o contato com pontos de vista diferentes, é necessário o diálogo e o questionamento. Sem isso, o ser humano é apenas uma massa de manobra que vai cada vez mais assumir um comportamento quase robótico, criando talvez uma sociedade sem personalidade.


Se a sociedade começar a se dividir dessa forma, que espaço terão os artistas para exercer sua criatividade e expressão? Se existe uma fórmula a seguir, até que ponto há a autenticidade? O quanto de fato cada um controla o que gosta e o que pensa? 


 
 
 

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