Artes digitais: os paradoxos da era das plataformas
- Isabella Soares
- 29 de abr. de 2024
- 3 min de leitura
Atualizado: 10 de jul. de 2024
Foi na década de 60, a partir de movimentos artísticos como a E.A.T (Experiments in Art and Technology) que se manifestaram os primeiros passos das artes digitais. Essa organização sem fins lucrativos, fundada oficialmente no ano de 1967, tinha objetivo de promover colaborações entre artistas e engenheiros. A organização fundada na cidade de Nova York abraçou a tecnologia como instrumento para criação artística e pavimentou a pista para surgimento das artes digitais.
De alguma forma esse momento deu o tom para as décadas seguintes, o grupo vanguardista influenciou profundamente o uso de artifícios digitais nas artes. As novas ferramentas e técnicas disponíveis com o advento da tecnologia e da internet abriram um vasto leque de oportunidades de acesso e compartilhamento de obras de artes. Se as formas de apreciar a arte foram democratizadas, podemos dizer o mesmo em relação ao processo de produção. Pelo menos é o que apontava.
A sociedade contemporânea é uma sociedade de plataformas digitais (Lemos,2022). Essas plataformas, definidas por Poel, Nieborg e van Dijck como infraestruturas digitais (re) programáveis que facilitam e moldam interações personalizadas entre usuários finais e complementadores organiza e media a sociedade atual. Agora, os produtores e artistas de qualquer tamanho ou região poderiam lançar os seus conteúdos pela internet. Tal condição prenunciava um cenário onde a produção e distribuição da arte seria mais democrática. Dessa forma, o digital possibilitou a criação de obras facilmente acessíveis e compartilháveis. Como resultado, ficou potencialmente fácil e barato acessá-las sem precisar comprar ou se deslocar.
Como exemplo disso podemos citar os streamings de música. Essa forma de distribuição digital alterou a maneira de acessar, ouvir e compartilhar música. Para além da nova experiência de consumo, os streaming mudou a indústria musical de maneira significativa, agora essa indústria também faz parte das chamadas big tech.
Nesse modelo de distribuição e consumo de música, as empresas disponibilizam aos ouvintes um grande acervo musical com baixo custo ou até mesmo gratuito, e em troca recebem os algoritmos que determinam os regimes de circulação dos conteúdos de áudio nas plataformas. As companhias desfrutam de considerável poder ao ter acesso a uma série de preciosos dados sobre as preferências e o consumo musical dos seus usuários. Sendo assim, uma plataforma é alimentada por dados, automatizada e organizada por meio de algoritmos e interfaces, formalizados por meio de relações de propriedade orientadas por modelos de negócios e regidos por contratos de usuário. (van DIJCK, de WALL, POELL, 2019, p. 15).

De maneira intencional, as plataformas digitais são criadas para fazer com que qualquer dado possa se tornar abundante (Gillespie, 2010) e isso se encaixa também nas plataformas de música. Isso significa que essas plataforma se alimentam de um fluxo que não para e nem cessa, as ações de usuários nas plataformas geram uma quantidade sem fim de dados para serem monitorados e analisados como conjuntos de instruções de etapas estruturadas para processar dados com vista a produzir informação adequadamente formatada para ser transmitida de uma unidade interna para uma unidade externa, ou seja, essas plataformas se alimentam de algoritmo (Kitchin, 2014; 2014b).
A plataformização (VAN DIJCK, POELL; DE WALL, 2018, p. 19), é alimentada pelas ações dos algoritmos que geram padrões, recomendações e induções nos usuários. Por conta disso, a relação entre ele e artistas emergentes pode gerar desafios. A grande quantidade de conteúdo disponível nas plataformas digitais torna difícil para que esses artistas ganhem destaques. Em um mercado marcado pelo domínio de gigante como a Apple, Google e Amazon, o acesso e visibilidade de artistas independentes são prejudicados.
No entanto, tudo isso revela um paradoxo: a democratização do acesso e da produção musical se esbarra com o crescente poder dos algoritmos nas plataformas digitais. O fato é que a liberdade de escolha do que ouvimos em plataformas de música e as tendências já pré-estabelecidas se entrelaçam ao ponto de questionar se essa democratização realmente se traduz em processos de autonomia.
Dessa forma, a prometida democratização traz à tona os limites dessa popularização: na prática, o modelo de distribuição dos streaming entra em disputas com a mediação algorítmica, o modelo de negócios e as formas de operações das grandes empresas. A partir desses novos contextos, os artistas precisam para além de fazer singles e álbuns, estar atentos em como utilizar as ferramentas a favor de suas carreiras. Apesar das novas possibilidades, a competição ainda é intensa.
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