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A vigilância e a padronização do gosto na arte contemporânea

Atualizado: 25 de ago. de 2024



Em seu artigo "Como podemos definir vigilância?", Christian Fuchs relata que há duas abordagens para o papel social da vigilância: neutra e negativa. Para o sociólogo, "os conceitos associados a uma vigilância do tipo neutra entendem-na como uma categoria ontológica, vista como sendo válida universalmente e como algo característico de todas as sociedades ou de todas as sociedades modernas" (Fuchs, 2011). Ele ainda afirma que os defensores dessa corrente entendem que há aspectos positivos na observação do outro, além de ser uma prática que pode ser constrangedora e facilitadora, porém necessária.



Reprodução/Ratatouille


Uma definição neutra esclarecedora é apresentada por Anthony Giddens. De acordo com o britânico, a vigilância é “a codificação de informações importantes para a administração de uma população de sujeitos, mais a direta supervisão destes por representantes oficiais e administradores de todo tipo” (Giddens, 1984 apud Fuchs, 2011). Nesse sentido, órgãos que auxiliam o controle social podem ser considerados como vigilantes neutros. Um exemplo é o filme Ratatouille (2007), realizado em desenho digital, em que os vilões do rato Remy são, ironicamente, personagens que querem manter um padrão sanitário exigido. A vigilância sanitária, apesar de ser uma ferramenta do Estado, auxilia na promoção da proteção e da saúde da população.


Em contrapartida, há a abordagem negativa. Uma das principais figuras dessa corrente é Michel Foucault. Para o francês, vigiar é uma forma de disciplinar e, segundo ele, disciplinas são "fórmulas gerais de dominação" (Foucault, 1977 apud Fuchs, 2011).




Reprodução/Janela Indiscreta


Nesse sentido, podemos relembrar o filme Janela Indiscreta (1954), de Alfred Hitchcock. Na obra, Jeff, jornalista vivido por James Stewart, atua como uma ferramenta de controle social. Ao observar o cotidiano de seus vizinhos através de um binóculo, o protagonista expõe momentos privados, como uma briga de casal e uma mulher seminua pegando suas roupas. Através de uma vigilância panóptica, em que a rua é colocada sob a vigília de um síndico que a observa (Foucault, 1987), o personagem de Stewart nota que um possível assassinato ocorreu em um dos apartamentos sob observação de sua janela. Como síndico, o protagonista passa a investigar um marido que supostamente havia matado a esposa. No final, a suposição de Jeff era verdadeira. Dessa forma, enquanto explorava a invasão da privacidade dos seus vizinhos, ele trazia ordem ao local.


Há ainda o surgimento de um novo advento de vigilância pelo qual estamos passando atualmente. “Os circuitos de comunicação que existem hoje e as bases de dados que eles geram constituem um Superpanóptico, um sistema de vigilância sem paredes, janelas, torres ou guardas” (Poster, 1990 apud Fuchs, 2011). Na série animada The Batman (2004), por exemplo, há um episódio em que o vilão Charada invade todos os bancos de dados da cidade, obtendo controle de todos os sistemas e informações de Gotham City. Ele emprega esses dados para fazer o que quiser, desde tomar o controle financeiro, informativo, alterar trechos do transporte da cidade, localizar pessoas, entre diversas outras finalidades.


Esses "circuitos de comunicação" permeiam, inclusive, a forma como a arte é constituída atualmente. Os grandes estúdios e redes de cinema, por exemplo, reconhecem seus dados, seus gostos e passam a moldá-los de forma invisível para que consumam o que é proposto pela indústria da cultura. Essas grandes empresas criam tendências e transformam o público. De certa forma, é como se fôssemos vigiados pelo síndico. Não há muitas opções nos grandes cinemas para além do novo filme da Marvel ou da nova animação da Disney. O gosto é construído, propagado e exaustivamente repetido.


Essa produtificação dos filmes, que vão se tornando cada vez mais parecidos, afeta a produção das obras. Hoje, os filmes tomam cada vez mais tempo na pós-produção para poderem ser refeitos o máximo possível até atenderem aos gostos dos executivos. Os autores estão desaparecendo. À medida que esses artistas digitais são cada vez mais explorados e precarizados, eles não são reconhecidos. Um exemplo recente é Oppenheimer (2023), último filme de Christopher Nolan, em que a DNEG, empresa responsável pelos efeitos visuais do longa, relatou que dos 125 artistas responsáveis pelo projeto, apenas 27 foram creditados pela Universal Pictures.


Por conta da vigilância em função de angariar e construir o máximo de público, os artistas são precarizados e, por consequência, a arte é cada vez menos pensada enquanto arte e sim como produto.

 
 
 

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